É mais fácil abrir vinho sem sacarrolha que compor chapa....

Na véspera do Natal desse 2010, após os cumprimentos pessoais, fizemos uma oração em agradecimento à vinda de nosso primeiro neto, João Pedro e comparamos a nossa alegria familiar com a alegria da cristandade ao receber o menino Jesus.  E, como felizmente reina a harmonia em nossa família pudemos revelar os nossos amigos secretos, sem nenhum constrangimento. Mas, ninguém é de ferro, entre um petisco e outro uns optaram pelo refrigerante, outros pela cerveja e ainda uns poucos, pelo vinho, apesar do calor. 

Vinho? Ora vejam, o meu amigo secreto presenteou-me com um um lindo kit de vinho, com moderníssimo sacarrolhas e até termometro para verificar se a preciosa fonte da alegria baconiana encontra-se na temperatura adequada.

Admirando aquele mimo, comecei a recordar que em meus tempos de infância, o meu avô Secanha, às vesperas do Natal feito papai noel, trazia da cidade um saco cheio de compras, inclusive cervejas empalhadas, pois naqueles tempos ao invés de serem condicionadas em caixas, como atualmente, as garrafas eram envoltas com talos de arroz costurados no mesmo formato das garrafas. Essas garrafas eram postas em água corrente para esfriarem um pouco já que àquela época a energia elétrica ainda era privilégio de poucos.

Quer dizer que em termos de resfriamento praticamente tanto fazia tomar uma cerveja quanto um cálice de vinho. O vinho, vô Secanha comprava ora em pequenas  barricas, ora em garrafões ou garrafas. O problema não era a forma de engarrafamento do vinho ou o resfriamento das cervejas, era o abridor de garrafas ou o sacarrolhas, que como por encanto sumiam todas as vezes em que se precisava deles.

Para a abertura das cervejas o problema era de somenos, bastava encaixar a borda da tampa na quina de uma mesa ou na cabeça saliente de um prego qualquer e desferir um golpe de punho que a garrafa estava aberta. Um ou outro ousava abrir a garrafa com os próprios dentes, coisa pouco recomendável. O problema maior, mas não insolúvel era a ausência do sacarrolhas.

Como tanto o meu avô quanto os meus tios eram homens de boa força, bastavam três ou quatro palmadas na bunda da garrafa para que a rolha fosse expelida. A técnica consistia em colocar um guardanapo umedecido na bunda da garrafa para não doer a palma da mão, e desferir os golpes de modo que a pressão fizesse a rolha sair. Outra técnica era enfiar a rolha para dentro da garrafa, bastando para tal empurralá-la com um  pedaço de pau ou ferro a golpes de martelo ou qualquer outro objeto semelhante. 

Eu imaginava que ao contar essas coisas para os mais novos estava contribuindo com ensinamentos práticos, mas eis que meu filho nos surpreende com uma técnica ainda muito mais  revolucionária. Contou-nos que quando morava em uma república com amigos, decidiram tomar um vinho, mas eis que não encontraram o sacarrolhas, vai daqui, vai dali encontraram uma chave de fendas.

Logo pensei que com a chave ele tivesse usado a técnica de empurrar a rolha para dentro, mas eis a surpresa: com a chave de fenda ele arrancou um parafuso de rosca soberba de uma cadeira e, ato seguinte, enfiou o parafuso na rolha, estava quase fabricado o sacarrolhas, faltava apenas o alicate para puxar a rolha para fora pela cabeça do parafuso. Mas cadê o alicate?

A solução foi pegar uma velha tesoura, apertar com ela a cabeça do parafuso e tendo uma mesa por apoio da ponta da tesoura arrancar a rolha. Recolocar o parafuso na cadeira foi ainda mais fácil.

Eita dificuldade! Mas sempre valia a pena. Afinal, como cantava o nosso amigo César, tão bem quanto Roberto Leal,  após os ensaios do TUD – Teatro Universitário de Dourados - na década de setenta: “Era o vinho, era o vinho, era o vinho / Era a coisa que eu mais adorava / Enquanto eu bebia / A vida pra mim parava. // Eu venho de um país / onde se joga a sueca / Lá a vida é mais feliz / Pertinho de uma caneca”.

E eu, que sempre pensei que o período entre o Natal e o Ano Novo fosse não só para se tomar uma boa taça de vinho, mas para se tomar também um fôlego, para se refletir sobre o ano que se encerra e fazer planos para o porvir, vejo-me surprendido pelas conversações sobre as eleições para a prefeitura de Dourados.

Sem sacarrolhas, guardanapos e nem mesmo cadeira com parafusos de rosca soberba, encontro dificuldades para abrir a porta dessa palavra presa na garganta e canto desafinadamente,  quase chorando de tristeza, a música de Chico Buarque: “Pai!/ afasta de mim esse cálice / Pai! afasta de mim esse cálice / De vinho tinto de sangue.

A reprodução do texto é permitida desde que citada a fonte.

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Livros

As Fabulosas Histórias de Bepi Bipolar

Ser convidada para escrever o prefácio deste livro de literatura
foi realmente muito gratificante e a deferência a mim concedida
pelo amigo, historiador e escritor Wilson Valentin Biasotto foi
recebida com surpresa e alegria

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2010: O ANO QUE NÃO ACABOU PARA DOURADOS

A obra ora apresentada é uma coletânea de crônicas publicadas em diversos meios de comunicação no ano de 2010. Falam, sempre com elegância e fluidez, de nossas vidas, de acontecimentos e de possíveis eventos em nosso país, especialmente em nosso município.

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Nossa preocupação, nesse trabalho, foi a de estudar o comportamento dos reis, no que concerne à aplicação da Justiça, baseados nas crônicas de Fernão Lopes.

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Crônicas: Educação, Cultura e Sociedade

O livro ora apresentado é um apanhado de 104 crônicas, algumas de 1978 e a maioria escrita a partir de 1995 até a presente data. O tema Educação compõe-se de 56 crônicas, outras 16 são relatos descrevendo fábulas ou estórias oriundas da cultura italiana, e os emas Cultura e Sociedade compreendem, cada um, 16 crônicas.

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Crônicas: globalização, neoliberalismo e política

Esta obra foi editada em 2011 pela Editora da UFGD e reune 99 crônicas escritas principalmente nos últimos quinze anos, versando sobre a globalização, o neoliberalismo e política

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[2009] EDIFICANDO A NOSSA CIDADE EDUCADORA

Esse trabalho tem três objetivos principais, cada qual contemplado em uma das três partes do livro, como se verá adiante. O primeiro é oferecer ao leitor algumas reflexões sobre temas que ocupam o nosso dia-a-dia; o segundo é divulgar os vinte princípios das Cidades Educadoras e, finalmente o terceiro, é tornar público o projeto que nos orienta na transformação de Dourados em uma Cidade Educadora e mostrar os primeiros passos para a operacionalização desse projeto.

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Ao refletir sobre a importância do contador de causos/narrador para a preservação da cultura, percebe-se que cada vez menos pessoas sabem como contar/narrar, com a devida competência, as experiências do cotidiano. Por quê? Para Walter Benjamin, as ações motivadoras das experiências humanas são as mais baixas e aterradoras possíveis em tempos de barbárie; as nossas experiências acabam parecendo pequenas ou insignificantes diante da miséria e da fragmentação humana, numa constatação que extrapola os espaços nacionais.

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